Popular entre os esportistas brasileiros, a corrida é uma modalidade democrática em muitos sentidos: desde a possibilidade de praticá-la em quase todo lugar até sua capacidade de abraçar diferentes objetivos. Em busca de relaxamento e bem-estar, controle de peso, saúde ou alto desempenho, milhões de brasileiros descobriram que correr é sua atividade física favorita.
O que muitos corredores e corredoras não sabem, ou não tem real dimensão, é do papel que a nutrição desempenha nessa atividade: seja para melhorar a resistência, ganhar força ou acelerar a recuperação.
Assim como se fala em periodização de treinos, é interessante pensar na periodização da nossa alimentação, ajustando as estratégias nutricionais de acordo com diferentes ciclos e metas ao longo do tempo.
Com o avanço da ciência da nutrição esportiva, hoje já existem evidências que nos ajudam a compreender como diferentes nutrientes podem favorecer objetivos específicos na corrida.
Otimizar o metabolismo energético, modular processos inflamatórios, favorecer a recuperação. Cada escolha nutricional pode fazer a diferença entre atingir ou não o seu melhor em cada momento.
É justamente sobre isso que vamos falar a seguir. Se você já corre ou pretende correr, leia até o fim e descubra quais os nutrientes e ativos mais importantes em cada processo.
O que você vai encontrar neste artigo:
- Nutrição periodizada: base para resultados consistentes
- Estratégias para otimizar resistência e performance aeróbica
- Nutrição para desenvolver força e potência
- Nutrição e recuperação: como acelerar a regeneração muscular.
- Hidratação inteligente: muito além da água
- Nutrição para provas longas: estratégias para manter a energia
- Dicas práticas para sua rotina de corrida
- Conclusão
Nutrição periodizada, base para resultados consistentes
Assim como não treinamos (ou não deveríamos treinar) da mesma forma o ano todo, nossa alimentação e/ou suplementação deve se adaptar aos diferentes ciclos de prática ou competição.
A nutrição periodizada vai muito além de “comer bem”. É uma abordagem estratégica que leva em consideração uma série de fatores, como demandas metabólicas em cada fase, objetivos individuais e adaptações fisiológicas desejadas.
Um aspecto fundamental da periodização é o timing de ingestão dos nutrientes. A janela pós-treino, por exemplo, é um momento crítico para a escolha adequada de carboidratos e proteínas que podem acelerar processos de recuperação e adaptação física. Já as escolhas do pré-treino podem influenciar diretamente na qualidade e intensidade do treinamento.
É claro que aspectos como composição corporal, histórico de treinamento, preferências alimentares, tolerância gastrointestinal e até mesmo questões genéticas influenciam na resposta aos diferentes protocolos nutricionais.
Por isso, estratégias que funcionam perfeitamente para um esportista podem não ter o mesmo resultado em outro, mesmo que os objetivos e ciclos sejam parecidos.
Estratégias para otimizar a resistência e performance aeróbica
A resistência é uma capacidade física importante para muitos corredores. Ela se refere à aptidão de manter um ritmo constante por períodos prolongados e depende bastante de uma estratégia nutricional adequada.
Consumo de carboidratos
Os carboidratos são estrelas nesse contexto, afinal, fornecem o combustível preferencial do nosso organismo durante exercícios de intensidade moderada a alta.
Uma estratégia eficiente para fazer o carregamento de carboidratos é aumentar gradualmente a ingestão entre 24 e 48 horas antes de treinos e competições de corrida. Já para esforços prolongados é recomendável uma ingestão contínua de carboidratos a cada hora, em quantidades que vão variar de acordo com a duração do exercício:
- para atividades de 1 a 2 horas: 30 a 60 g de carboidratos por hora;
- para atividades de 2 a 3 horas: 60 a 90 g de carboidratos por hora;
- para atividades acima de 3 horas: pode-se chegar a 90 gramas por hora.
A estratégia conhecida como “training the gut” ou “treino do intestino” é interessante para aumentar a capacidade gastrointestinal de tolerar maiores doses de carboidratos durante treinos e competições, sem desconfortos. Ela é feita por meio de uma exposição gradual a diferentes tipos e quantidades de carboidratos durante os treinos.
Nesse contexto, misturas de glicose com frutose na proporção 2:1 têm se mostrado superiores ao uso isolado de qualquer um desses açúcares. Essa combinação otimiza a produção e a disponibilidade de energia.
Cafeína
A cafeína também merece destaque quando o assunto é aumentar a resistência. Doses de 3 a 6 mg/kg de peso corporal já mostram efeitos consistentes no aumento da resistência e queda na percepção do esforço.
Em nível muscular, a cafeína melhora a liberação de cálcio no retículo sarcoplasmático, facilitando a contração. Já no sistema nervoso central, ela aumenta a liberação de dopamina, reduzindo a sensação de fadiga.
Nitratos
Os nitratos dietéticos são outra ferramenta valiosa para favorecer a resistência durante esforços de alta intensidade. Bons exemplos são o suco de beterraba ou a beterraba em pó: eles aumentam a produção de óxido nítrico, favorecendo a vasodilatação e melhorando o fluxo sanguíneo. Isso favorece a chegada de nutrientes e oxigênio aos músculos, contribuindo com a performance na corrida.
Nutrição para desenvolver força e potência
Nem só de resistência se faz uma boa performance na corrida, força e potência também são capacidades físicas importantes. Elas são necessárias para sprints finais, subidas íngremes, manutenção da mecânica de corrida durante a fadiga, especialmente, para a prevenção de lesões.
Aqui, é a proteína que assume o protagonismo. As recomendações de consumo variam entre 1,4 e 2,2 g/kg ao dia, distribuídas em doses de 20 a 40 gramas a cada 3 ou 4 horas. O ideal é que sejam consumidos de 700 a 3000 mg de leucina por refeição. A leucina é um aminoácido essencial, presente nas proteínas, que atua como gatilho de ativação da via mTOR, a principal reguladora da síntese proteica.
Creatina
A creatina mono-hidratada é o suplemento mais bem estudado para ganho de força e potência. Ela melhora o uso do ATP, a nossa “moeda energética”, auxiliando principalmente em corridas de alta intensidade e curta duração ou no sprint final de provas longas, como maratonas.
Demonstrou-se efetividade em dois protocolos de consumo: de 3 a 5 g todo os dias ou 0,3 g/kg/dia durante 5 a 7 dias, seguido de manutenção
A pureza da creatina é vital para os bons resultados e a segurança no consumo, por isso, vale a pena buscar suplementos de creatina de qualidade certificada.
Beta-alanina
A beta-alanina pode ter um papel relevante em esforços de 1 a 4 minutos, por isso deve ser considerada na estratégia de suplementação dos corredores. Ela participa do sistema de tamponamento da acidose, especialmente quando a velocidade da corrida aumenta.
É comum que ela esteja presente em suplementos pré-treinos, mas é importante avaliar se a formulação como um todo oferece uma sinergia de ativos favorável não apenas ao desempenho imediato, mas à saúde de longo prazo.
Nutrição e recuperação: como acelerar a regeneração muscular.
A recuperação adequada é parte vital do processo de treinamento, seja na corrida ou em qualquer outro exercício. Quando nos exercitamos, estimulamos as adaptações no organismo, mas é no período de recuperação que elas efetivamente acontecem. Por isso, a nutrição voltada ao ganho de desempenho na corrida não pode deixar de lado estratégias que apoiem esse processo.
Após treinos intensos ou de grande volume é preciso repor rapidamente o glicogênio e estimular a síntese muscular. Para isso, algumas estratégias podem ser seguidas, como veremos a seguir.
Carboidratos e proteínas no pós-treino
Se houver menos de 24 horas entre uma sessão de treinamento e outra, a recomendação básica é o consumo de 1,0 a 1,2 g/kg por hora de carboidratos, nas 3 ou 4 primeiras horas após o exercício. Acrescentar 20 a 40 g de proteína nesse momento favorece a recuperação muscular.
Combinar cafeína com carboidratos pode acelerar a reposição do glicogênio em determinadas situações de curto período de recuperação. Mas esse uso deve ser cauteloso, já que pode interferir na qualidade do sono, fundamental no processo de regeneração física para os esportistas.
Ômega 3
A suplementação de ômega-3 pode auxiliar na redução de marcadores de inflamação e dor muscular tardia. Esse nutriente é capaz de melhorar a qualidade da membrana dos músculos e otimizar a biogênese mitocondrial e seu consumo pode complementar a estratégia de nutrição voltada à recuperação para corredores.
Hidratação
Uma boa hidratação é vital para a performance na corrida, mas vai muito além do simples consumo de água. O equilíbrio hidroeletrolítico influencia diretamente a função cardiovascular, a regulação térmica do corpo, a contração dos músculos e até a função cognitiva durante o exercício prolongado. (1)
Pessoas que correm, precisam dar muita atenção à perda de suor e reposição de eletrólitos, especialmente o sódio, em sessões longas sob altas temperaturas.
Provas longas exigem estratégias especiais de hidratação, que devem ser orientadas de forma individualizada por nutricionistas ou médicos. Isso porque as taxas de sudorese variam muito de atleta para atleta, assim como variam as concentrações de eletrólitos no suor.
Nutrição para provas longas: estratégias para manter a energia
Em competições de longa duração, como meias-maratonas, maratonas e ultramaratonas, os desafios físicos são mais sensíveis, o que requer um planejamento nutricional bastante cuidadoso.
Consumir os nutrientes certos, no momento certo é vital nesses casos, já que manter a energia por um longo período não é importante apenas para o desempenho, mas para completar a prova com segurança.
O uso de carboidratos em altas doses (60 a 90 g/h) exige um treino prévio do sistema gastrointestinal, como vimos no início deste artigo. Para pessoas sensíveis, é recomendado reduzir o consumo de alimentos ricos em FODMAP (sigla em inglês para oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis) alguns dias antes da prova, para minimizar desconfortos.
O ferro é outro ponto de atenção, especialmente em mulheres, pessoas vegetarianas e atletas de alto volume de treino, já que a deficiência nesse mineral (mesmo que não configure um caso de anemia) compromete a capacidade aeróbica e o desempenho.
Nutrição para corredores: dicas práticas para implementar na rotina
Colocar toda essa teoria em prática pode parecer complicado. Mas algumas dicas podem ajudar mesmo corredores iniciantes a tirarem o melhor proveito da nutrição para seu desempenho esportivo.
- Faça um planejamento semanal: dedique alguns minutos no final de semana para planejar as refeições da semana seguinte, considerando os treinos programados. Se vai fazer treinos mais intensos, preste atenção à disponibilidade de carboidratos, já nos dias de recuperação, não descuide das proteínas, vitaminas e minerais.
- Teste tudo nos treinos: nunca experimente algo novo em dias de prova. Isso vale para alimentos, suplementos, horários das refeições e estratégias de hidratação. Use os treinos longos como laboratório para descobrir o que funciona melhor para seu organismo.
- Faça um diário nutricional: pode parecer trabalhoso, mas é bastante útil para compreender melhor como seu corpo responde a diferentes estímulos. Registre não só o que você come, mas como se sente durante e após os treinos, isso vai ajudar você a identificar alguns padrões e saber em que apostar e o quê evitar em cada situação.
- Invista na recuperação: a refeição ou suplementação pós-treino é tão importante quanto aquela que você faz antes do exercício. Tenha sempre à mão uma combinação estratégica de carboidratos e proteínas para consumir nos primeiros 30-60 minutos após treinos intensos ou longos.
Conclusão
A nutrição é uma ferramenta poderosa para melhorar a performance de corredores, desde que bem utilizada. É preciso ter em mente que não existe uma fórmula única que funcione para todos os atletas em todas as situações, considerar as individualidades é fundamental.
Alguns conceitos básicos sobre periodização nutricional, no entanto, devem sempre ser considerados, ou seja, cada fase do ciclo de treinamento e/ou competição têm demandas inegociáveis. Por exemplo, antes do exercício, o foco é no fornecimento de energia ao corpo, já após a atividade, a ênfase é na recuperação física.
As evidências científicas disponíveis atualmente mostram que a suplementação de nutrientes específicos, combinada com uma alimentação bem estruturada, pode trazer benefícios para diferentes objetivos relacionados à corrida, como: aumento de resistência, melhora de força e potência, recuperação eficiente, entre outros.
Creatina, cafeína, beta-alanina e ômega-3 são alguns desses nutrientes aliados de quem deseja correr mais e melhor.
Ter a orientação de um profissional habilitado, médico ou nutricionista, é importante para construir um plano nutricional individualizado, eficiente e seguro para cada corredor ou corredora. Uma dose de disciplina e organização prática também são fundamentais para que os benefícios da ciência da nutrição se tornem reais no dia a dia.
Compartilhe esse texto com aquela pessoa que corre e está precisando dessas dicas! Até a próxima.
Fontes bibliográficas:
doi: 10.3390/nu11061289
doi: 10.1186/s40798-024-00801-w
doi: 10.2147/OAJSM.S33605